quinta-feira, 14 de julho de 2011

UM HOMEM E O SEU TEMPO


Por Márcio Costa.



A casa era um desenho à moda do novo século, que já estando no final, nem era mais uma coisa tão moderna, mas ainda preservava aquelas velhas tecnologias que surgiam a cada minuto naqueles longos anos. Descrever as sensações daqueles anos era difícil, às vezes tentava, mas uma tela de computador não ajuda muito quando se está com os olhos cansados e usar lentes é chato. Ficar o tempo todo dentro de casa era mais insuportável ainda. Não conseguia entender aquela irritação estranha que estava tendo com a facilidade das coisas, viveu sua vida inteira assim, mas agora estava chateado com tudo que fosse digital, sua casa era digital, seu carro era digital, tudo ali obedecia a programações, voz e ele se sentia um senhor de escravos dos livros de história. Queria ter tido filhos, agora se perguntava pelo porque de não ter tido filhos, alguns amigos tinham filhos, tinha pensado demais em dar a luz a coisas. As coisas são abstratas, duras, insensíveis e mudas, não se fala com as coisas nem se brinca com elas. Imaginava como seriam os filhos. Se os tivesse podia estar com eles agora? Talvez não. Se irritava novamente com as coisas limpando o chão, as coisas lavando a roupa, preparando seu almoço, elas não tem vida, mas se movimentam pra lá e pra cá como se tivessem, e saía pra ver a rua. O sinônimo do silêncio naqueles tempos era rua. Centenas de pessoas movimentando-se caladas, pensando em suas vidas e seu futuro, centenas de veículos silenciosos se movimentando com o nosso oxigênio. Ele sentado em sua calçada observava aquele comportamento das pessoas, ninguém mais precisava de ninguém, ele mesmo nunca tinha precisado de ninguém, mas agora tinha aqueles sentimentos estranhos. Queria conversar com alguém, mas só tinha coisas ao seu redor. As vezes pensava que ele mesmo era uma coisa, um aparelho programado para produzir conhecimento e outros aparelhos, programado também para se sentir realizado depois, pelo menos por um tempo depois, pois agora tinha sido descartado, não tinha mais contatos e vivia em uma casa que tinha tudo, em uma cidade que tinha tudo, repleta de pessoas. Mas ele, sentado naquela calçada, sentia-se solitário e possuidor de nada. Começou a pensar sobre o nada. O que seria a não existência de tudo o que existe? Um robô avisa que seu almoço está pronto. Ele respira fundo, olha ao redor, podia ter vivido em tempos passados, seria tudo mais simples. Não entendia porque se sentia assim. Olhou novamente ao redor, olhou o chão, podia rabiscar algo que não fosse em um computador. Viu um pedaço de alguma coisa quebrada...

"...E o nada criou as mentes do nosso tempo, pois estão repletas cada uma de si mesma, e de nada servirá a existência de tal forma, de nada servirá aos futuros as invenções supérfluas desta era, e voltaremos a simplicidade um dia..."

"Seu criado mecânico avisa novamente sobre seu almoço, ele entra imaginando o futuro, um futuro sem máquinas, sem robôs, uma evolução pura. Sempre viveu ao redor de tudo aquilo, mas agora tinha esses pensamentos e não sabia porquê."
...

Um comentário: